terça-feira, 29 de junho de 2010

Selecção artificial

É com muito entusiasmo que vou abordar um dos temas que mais me fascinou da actualidade.Para comprêndermos alguns "mistérios" que nos rodeiam não é preciso ser-se um cientista bastar ler livros como "Cosmos" de Carl Sagan e outros do mesmo género. 

    Vou começar por contar a história de um menino de 7 anos que era o imperador do Japão.
   No ano de 1185, o imperador do Japão era um menino de 7 anos chamado Antoku. Ele era também o chefe nominal de um clã de samurais, os Heike, que travavam uma longa e sangrenta batalha com outro clã, os Genji, por, ambos se acharem com direitos ancestrais ao trono imperial. O encontro naval decisivo entre os dois clãs, com o imperador a bordo, deu-se em Danno-ura, no mar do Japão, a 24 de Abril de 1185. Os Heike eram numérica e tacticamente inferiores: muitos pereceram na batalha e os sobreviventes atiraram-se em massa ao mar, afogando-se. A senhora Ni, avó do imperador, decidiu que nem ela nem Antoku seriam capturados pelo inimigo. O que se seguiu vem contado na História dos Heike: 

"0 imperador tinha 7 anos, mas parecia muito mais velho. Era tão belo que parecia irradiar um halo de luz e o seu longo cabelo negro caia solto pelas costas abaixo. Com a surpresa e a ansiedade estampadas no rosto, perguntou à senhora Nii: 'Para onde me levas` Ela voltou-se para o jovem soberano, com as lagrimas correndo em fio, e (...1 confortou-o, atando-lhe os longos cabelos com as suas vestes cor de pomba. Com os olhos cegos pelas lágrimas, o pequeno imperador iuntou as delicadas mãozinhas. Voltou-se primeiro para oriente, despedindo-se do deus Ise, e depois para ocidente, recitando o Nembutsu [uma oração ao Amida Buddhaj. A senhora Nii tomou-o nos braços e, dizendo 'Nas profundezas do oceano está o nosso capitólio', afundou-se finalmente com ele entre as ondas."
Toda a armada Heike foi destruída só sobrevivendo quarenta e três mulheres. Estas damas da corte imperial viram-se forçadas a vender flores e outros favores aos pescadores da costa, perto do palco da batalha. Os Heike praticamente desapareceram da história. Mas o miserável rebanho das ex-damas da corte e dos filhos que tiveram dos pescadores estabeleceram um festival em comemoração da batalha, o qual se realiza no dia 24 de Abril de cada ano. Os pescadores descendentes dos Heike vestem-se de serapilheira e, com a cabeça coberta de negro, dirigem-se para o santuário de Akama, que contém o mausoléu do imperador afogado, onde assistem a uma peça que narra os acontecimentos que se seguiram à batalha de Danno-ura. Durante séculos, o povo imaginou ver exércitos de samurais que tentavam em vão esvaziar o mar, para o limpar do sangue, da derrota e da humilhação.
Os pescadores dizem que os samurais Heike ainda vagueiam pelos fundos do mar do Japão— sob a forma de caranguejos.De facto encontram-se neste local caranguejos com marcas curiosas nas carapaças, marcas e recortes que se assemelham de um modo perturbante ao rosto de um samurai. Quando apanham estes caranguejos, os pescadores não os comem, mas voltam a deitá-los ao mar, em comemoração dos trágicos acontecimentos de Danno-ura.Esta lenda levanta um problema interessante. Como é que a cara de um samurai foi gravada na carapaça de um caranguejo? A resposta parece ser que foram os homens que fizeram a cara. As marcas da carapaça dos caranguejos são hereditárias. Mas nestes bichos, tal como nas pessoas, existem muitas linhas genéticas. Suponhamos que entre os antepassados longínquos deste caranguejo surgiu por acaso um cuja carapaça lembrava vagamente um rosto humano. Já antes da batalha de Danno-ura, os pescadores teriam provavelmente tido relutância em comer um caranguejo assim. E ao voltar a deitá-lo ao mar, eles iniciaram um processo evolutivo: se fores um caranguejo de carapaça vulgar, os homens comem-te — a tua linha deixará poucos descendentes; se a tua carapaça se parecer, por pouco que seja, com uma cara, eles deitam-te de volta ao mar e poderás ter mais descendentes. Os caranguejos investiram substancialmente nas marcas das carapaças. Com o passar das gerações, tanto de caranguejos como de pescadores, os animais cujas carapaças mais se assemelhavam a um rosto de samurai sobreviveram preferencialmente, até que acabou por se produzir, não só uma face humana, não só uma cara de japonês, mas o rosto feroz de um temível samurai. Nada disto tem o que quer que seja a ver com o que os caranguejos querem A selecção vem do exterior. Quanto mais te pareceres com um samurai, melhor para ti. A seu devido tempo, acabou por haver grandes quantidades de caranguejos-samurais.
Este processo é chamado selecção artificial No caso do caranguejo Heike foi realizado mais ou menos inconscientemente pelos pescadores e, certamente, sem qualquer premeditação da parte dos caranguejos. Mas há milhares de anos que os seres humanos seleccionam deliberadamente quais as plantas e animais que devem viver. Nós estamos rodeados desde a infância de animais domésticos, de frutos, de árvores e de legumes hortícolas familiares. De onde vêm eles? Já alguma vez foram livres e selvagens, até serem induzidos a adoptar uma vida mais fácil numa quinta? Não, a verdade é outra. A maior parte deles foram feitos por nós.

Agradeço a todos aqueles que dedicam 10M da sua vida a ler o que eu escrevo, sei que tenho alguns textos longos mas se retirasse uma palavra que fosse não seria a mesma coisa.

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